sábado, 14 de agosto de 2010

Crendices, sandices e outras tolices

Atire a primeira pedra quem, pelo menos uma vez, esquivou-se de passar debaixo de uma escada? Ou cuidou de manter bem guardado um trevo de quatro folhas? Por mais absurdas, inverídicas e insanas que sejam, e sabemos que são, superstições existem. Estão no inconsciente coletivo, e são tantas que numerá-las é impossível. Assim, sem perceber, e mesmo sem acreditar, acabamos dando-lhes certa confiança. A origem delas? Heranças ancestrais, cultura popular, lendas e folclore das diferentes regiões do mundo: orientais, ocidentais, africanas, indígenas... Tanto para os mais crédulos, como para os menos crédulos, algumas crendices funcionam como medida de precaução, como termo de garantia, sabe-se lá! Enfim, como bem diz aquele ditado espanhol, yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay...

Com frequência bem maior que a desejada, tenho mania de dar três batidinhas sobre uma superfície de madeira, para espantar maus presságios ou pensamentos negativos. Acompanhando este gesto, algumas vezes ainda clamo o mantra “pé de pato mangalô três vezes”, para reforçar a intenção... É ou não é uma idiotice?

Minha prima mantém pendurado, na porta social do seu “apê”, um punhado de palha de milho amarrado com fitas verde, amarela e dourada. Afirma que tal mandinga atrai dinheiro. Precavida, ainda toma o cuidado de jamais colocar a bolsa no chão, pois acredita que isso “espanta” o dim-dim. Ontem apareceu lá em casa, para bater um papinho. Ao sair, me pediu dez reais para o táxi, pois estava desprevenida. Peguei minha bolsa, que por acaso estava jogada no chão, e puxei vinte reais da carteira. Por pura gozação, disse que quando esqueço a bolsa no chão, as notas de dez transformam-se em notas de vinte. Não a convenci, é claro, mas notei certo espanto em seu olhar.

Um colega de trabalho é louco por gato, desde que não seja preto. Se avistar um na rua, chega mesmo a mudar de rumo para não ter que cruzar com o azar. Em casa tem dois felinos, brancos e endiabrados. Dia desses tropeçou num dos bichanos e, para não ferir a pata do animal, acabou caindo e quebrando o próprio pé. Não resisti e comentei como teria sido se o gato fosse preto... Ele respondeu, convicto, que se assim fosse teria quebrado a perna!

O fato é que independente de religião, nível social ou grau de instrução, muita gente boa, ou nem tão boa assim, se apega às crendices. Nos servimos delas, consciente ou inconscientemente, na certeza que se não fizerem bem, mal também não farão.

Mas quando as querelas são de ordem afetiva, a coisa muda de figura. Há quem apele para feitiços bem mais radicais. E nesta seara, os “remédios” são absolutamente surreais. Pois é, o coração tem razões que a própria razão desconhece! Se algumas pessoas abusam da arte de acreditar em qualquer sandice, outras tratam de explorar a credulidade alheia. Ou seja, para cada incauto que apareça, existe um charlatão à postos, esperando para dar o bote. Falsas ciganas, gurus trapaceiros, cartomantes inescrupulosas, pais-de-santo fajutos; enfim, os farsantes são muitos. Pior é que essa corja lança mão de propaganda enganosa, para atrair os ingênuos, ou desesperados, de plantão.

Os postes nas ruas aqui do Rio não me deixam mentir. Estão sempre recobertos com papelotes toscos, colados uns sobre os outros, anunciando promessas desvairadas,tais como: “Devolvo a pessoa amada em três dias...”, “Amarração forte, trago o seu amor de volta em sete dias, palavra do Pai Ogum...”, e por aí seguem as tolices mais absurdas...

Outro dia fiquei impressionada com a audácia descrita em um desses papeizinhos. Anunciava, com letras em negrito, a seguinte pérola: “Não me pergunte como, mas eu, Urug Uxê, garanto trazer o ser amado em 48 horas!”. Assim mesmo, com ponto de exclamação no final. O que será capaz de fazer ao dizer “Não me pergunte como”? Melhor nem saber as bizarrices que podem surgir de mente tão demente... Uma coisa é certa, a figura entende de marketing. A começar pela escolha do nome de guerra, uma matreira corruptela. Repare ainda que o espertalhão substituiu dois dias por 48 horas, à guisa de criar impacto para provar o seu poder. Três ou sete dias já prometem os concorrentes. Então, com este diferencial, o astuto guru garante o feito em menos tempo.

As leis selvagens do capitalismo chamam essa injusta prática comercial de dumping. Ou seja, concorrência desleal. O sagaz trambiqueiro cobre qualquer oferta. Tal e qual fazem as grandes lojas do varejo. Só faltou dizer que aceita cartões, vales-transporte e vales-refeição. Pobre de quem cai numa cilada dessas. Será que alguém, em sã consciência, imagina que pode recuperar um afeto perdido com este tipo de apelação? Como acreditar que o ser amado, que saiu de cena em busca de outras paisagens, possa voltar em dois, três ou sete dias? É muito pouco tempo para um arrependimento...

Pelas barbas de Netuno, crendice tem limite!

(Elmira Mattos)

Um comentário:

  1. Obrigado, Elmira, por nos brindar com uma de suas belas crônicas.

    Texto equilibrado, muito gostoso de ler, e plenamente adequado à data: "dia das bruxas".

    Quem, afinal, não tem superstições? E todas elas afloram, por lembrança ou referência, neste dia macabro.

    É um grande prazer, tê-la aqui como colaboradora de nossa Nave Literária.

    Seja muito benvinda!

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