Visão Literária


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Você conhece bem o soneto?


Há alguns dias, um brilhante usuário de Página Literária, também amante dos sonetos como eu, manifestou sua passageira desilusão ao principiar a ler um poema ali publicado por outro usuário, crendo tratar-se de um soneto, já que sua composição estrófica iniciava com duas quadras.

Ao chegar na 3ª estrofe, verificou que aquela compunha-se de oito versos e o poema finalizava com uma estrofe de apenas dois versos. Mais tarde verificou tratar-se de um "Rondó", uma outra modalidade de composição poética.

Tal fato, voltou minha atenção sobre o possível conhecimento internalizado naqueles que apreciam a literatura e, principalmente a poesia, da forma mais popular e conhecida, pelos tempos afora, de composição poética: O Soneto.

Todos nós, amantes da poesia, costumamos identificar, desde os tempos de escola, o soneto como uma composição poética estruturada em duas quadras e dois tercetos.

Ou seja, se o poema não for formado por duas quadras e dois tercetos, então não é um soneto. E tal afirmação, verdadeiramente, não corresponde com a verdade.

Então, meus caros admiradores da poesia, cabe aqui a pergunta: Você conhece bem o soneto?

O soneto, que veio ter o seu nascimento lá pelos séculos XII ou XIII, surgiu inicialmente como uma espécie de canção ou letra para a música provençal, possuindo uma oitava e dois tercetos, com melodias diferentes.

Segundo alguns pesquisadores é uma criação atribuída ao poeta siciliano Giácomo da Lentini (Sec.XII), conhecido também como como Jacopo Notaro. Entretanto, outros estudiosos consideram-no como invenção do "troubador" francês Girard de Bourneuil (sec.XIII).

Tendo como única atribuição inicial a estrutura estrófica de 14 (quatorze) versos, apresentou uma grande variação em suas primeiras utilizações relativamente ao número de linhas e disposição das rimas, até que o poeta toscano Guittone Darezzo(ou Fra Guittone), aderindo em definitivo àquela que seria reconhecidamente a forma mais utilizada e suscitadora das maiores emoções poéticas, o denominou como: Soneto.

Seu aperfeiçoamento e sua difusão por toda a Europa coube ao poeta fiorentino Francesco Petrarca e sua maior e mais decantada utilização foi a de Dante Alighieri, seguidor de Guittone, em sua reconhecida obra "A Divina Comédia", inteiramente escrita em sonetos.

É o poema de forma fixa que mais largamente tem sido praticado pelos poetas mundo afora, tanto no passado como na contemporaneidade.

De lá para cá, temos uma vasta plêiade de grandes sonetistas, como Quevedo, Cervantes, Shakespeare, Thomaz Wyatt, Du Bellay, Desportes, Voiture, Scarron, Sá de Miranda, Camões, Rodrigues Lobo, Bocage, Antero de Quental, José Régio, Fernando Pessoa, Gregório de Matos, Claudio Manuel da Costa, Olavo Bilac, Raimundo Corrêa, Cruz e Souza, Ledo Ivo, Geir Campos, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, e tantos outros.

Também na música popular basileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Ivan Lins, etc.

Faz-se mister ressaltar, que a estrutura do soneto não é rígida em relação à métrica e à rímica (outro assunto que falaremos em breve aqui no Panorama da Literatura). Os poetas clássicos canalizaram sua preferência para os sonetos decassílabos com rimas opostas e paralelas nas quadras, e os parnasianos, além do decassílabo, empregaram também o alexandrino. Já o sonetilho, preferência de B.Lopes(*) em seu "Cromos", apresentava versos heptassílabos.

Assim, percebe-se nitidamente que nosso entendimento dos tempos de escola sobre o soneto ser identificado, tão somente, por duas quadras e dois tercetos, trata-se apenas de uma visão da maior usualidade dessa forma poética.

O soneto pode ser apresentado, sempre em disposição de 14 (quatorze) versos, de forma diversa:

O soneto italiano ou petrarquiano: apresenta 2 estrofes de quatro versos (quartetos) e 2 de 3 versos (tercetos),como usualmente conhecemos;

Já o soneto inglês ou Shakespeariano apresenta três quartetos e um dístico;

E o soneto monostrófico: Apresenta uma única estrofe de 14 versos.

Dessa forma, mudando nossos conceitos escolares, é flagrante perceber que o soneto nada mais é que uma composição poética com estrutura estrófica de quatorze versos. A distribuição desses versos, é coisa do poeta que o cria.

Quanto ao assunto, muito embora mais frequentemente encontrado na temática lírico-amorosa, o soneto comporta quaisquer temas: épico, satírico, humorístico, didático ou descritivo.

Portanto, mãos à obra, crie quatorze bons versos enfeixados por um tema e os distribua na sua preferência. Está aí o seu soneto.





(Costa Pinto)

Nota Explicativa:
(*)Bernardino Lopes - o B. Lopes - nascido em 1859, e falecido em 1916, grande amigo de olavo Bilac, foi um poeta brasileiro de diferentes tendências literárias na passagem do século XIX ao XX.
Artigo publicado no site "paginaliterária.com", em 21/07/2010.
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Porque os poemas são compostos em estrofes?


Quando publiquei, aqui em nosso Panorama da Literatura, o artigo anterior: "Você conhece bem o soneto?", um dos usuários dessa Página literária, dirigiu-me, em comentários, o seguinte questionamento:




"...a título de curiosidade, gostaria de saber o por que de distribuir um poema em quadras e tercetos, ou, resumindo, em estrutura estrófica?"
Considerei, de imediato, ótima pergunta para que pudesse ser esclarecida mais uma faceta da "poética" em teoria literária.
Porque os poemas são escritos em versos, formando estrofes?
Para adentrarmos o mérito dessa questão, temos que, em traços gerais, esboçar rápidas pinceladas do que chamamos em teoria literária de "versificação", ou seja a composição do verso em si.
São elementos do verso: o ritmo, o metro, a estrofe, e o som.
Na brilhante definição de Manuel Bandeira: "O verso é a unidade rítmica do poema"
Segundo Soares Amóra: "Verso é a unidade do ritmo".
Depreendemos, então, que o verso é uma linha de sentido completo ou não, que constitui a unidade rítmica do poema.
Surge-nos, então, a questão seguinte: E o que é o ritmo?
Percebe-se nitidamente que, o ritmo é uma sucessão alternada de sons tônicos e átonos, repetidos em intervalos regulares.
Na linguagem há sempre ritmo, seja ela falada ou escrita, tanto em prosa quanto em verso.
Neste comenos, é bom buscar um pouco da história:
No nosso artigo anterior, mostramos que os poemas nasceram da necessidade de de colocar uma canção ou letra para as músicas que compunham os antigos povos. portanto, vê-se que estes foram criados para serem cantados ou declamados, no ritmo das músicas executadas.
Assim, tendo que acompanhar o ritmo e as variações da música a qual servia de letra ou canção, também deveria ter uma quantidade determinada de palavras ou sílabas que coubessem no andamento musical, soando junto com ele. Surge, então, a "Métrica" - a necessidade de dar tamanho aos versos; de estabelecer uma medida coerente com o compasso musical.
Posteriormente, esta métrica se divide em isométrica (com versos de uma só medida nos poemas) e heterométrica (com versos de diferentes medidas num mesmo poema). Assunto do qual falaremos em detalhes em outra oportunidade.
Uma vez definidos os versos pelo ritmo e pela métrica, cuidou-se, então, de dividir os pensamentos e sentimentos que eram descritos nos poemas em blocos de versos, nascendo assim as estrofes.
Portanto, ESTROFE (também chamada de "ESTÂNCIA" OU "ESTANÇA"), nada mais é do que um agrupamento de versos (em linhas), que formam uma unidade rítmica e psicológica, indicada por uma pausa de grande duração.
Com o apuro dessa arte de divisão ritmada, encerrando em si um fragmento filosófico do contexto ou a sua sintaxe descritiva, surgiram as estrofes com diferentes quantidades de versos, como os monósticos; dísticos ou parelhas; os tercetos; as quadras ou quartetos; quintilhas; sextilhas; setilha, sétima ou setena; as oitavas; nonas; décimas; e as estrofes livres, poliméticas ou irregulares (contendo mais de dez versos).
Com isso, creio ter esclarecido a questão formulada pela usuária desta Página Literária sobre a necessidade da estrutura estrófica nos poemas.
Reparemos,por fim, que mesmo os poemas de construção totalmente livre apresentam estrutura estrófica coerente com o ritmo e o som que deve representar seu contexto.
Certamente, nos lembraremos disso quando formos ler poemas novamente.


(Costa Pinto)

Fontes de consulta:
. TOMACHEVSKi, B. - Teoria da literatura;
Porto Alegre, Globo, 1973.
. TAVARES, Hênio Último da Cunha - Teoria Literária
Belo Horizonte, Ed. Bernardo Álvares S/A., 1969
. "Site": mpbsapiens.com
Artigo publicado no site "Página Literária" em 04/08/2010

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