terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Os Céus de Minas Gerais


(“A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação”- Stendhal)



Quando recebeu o diploma, olhou-o detidamente, escutando ao longe, ainda vivas na lembrança, as palavras de seu pai:

- Se pretendes ser um artista é melhor dizer adeus à tua realidade.

Esfregou as mãos sobre o papel e abriu os lábios num sorriso meditativo: Pintor paisagista.
O encanto esfuziante das cores da natureza. Comprimiu o canudo sobre o peito e relembrou o verde sonho de criança: Eu quero pintar os céus de Minas Gerais.

O azul lhe brotou dos olhos. As casas antigas salpicavam-lhe as retinas do verde e do branco, atrás das cinzentas nuvens. Horizontes avermelhados e cálidos, derramados sobre o casario de uma cidade do interior.

As muitas experiências com tintas e pincéis sufocaram-lhe as lembranças e o desejo. Eu quero pintar os céus de Minas Gerais.

Com o decorrer dos anos surgiram os salões, as críticas, algumas rugas, duas ou três exposições e uma pequena fama. Aquela viagem pelos céus da Itália.

As telas abriam-se em cores e nuances vibrantes, céus atrás de casas. As ruínas do Coliseu. Os amores retratados sobre os cromos.

A morte do pai lhe trouxe enormes olheiras roxas e mais vermelho aos olhos injetados. Remoeu dois ou três dias um resto de tristeza, um pedaço de borracha de desenho e as palavras do velho.

Levantou os olhos sobre a mesa e os correu pela maçaneta da porta, sobre os quadros na parede, até deixá-los cair sobre a janela aberta da sala. Os céus de Minas Gerais.

A lembrança acentuou o olhar. A decisão chegou-lhe firme ao corpo inerte: abandonia a casa, a família, as ruas, as lembranças antigas mergulhadas nos vidros de verniz para quadros, os papéis de aquarela sobre a secretária empoeirada, a tela por terminar, ainda pendendo no cavalete.

Os tubos de tinta e os pincéis se amontoaram na velha caixa de madeira.

As pontas dos dedos tamborilava, saltitantes pelas bordas da paleta, enquanto as asas do avião esgueiravam-se leves ao contorno das montanhas.

Enfim, os seus negros olhos infantís que hoje já se tornaram azuis, de um azul a cada dia mais intenso, sorriem pela vontade do sonho realizado.

E quem passar pelas ruas da cidade, ainda pode vê-lo pendurado no mais alto andaime do mais alto edifício que possa se avistar, os braços estendidos, a mão segurando firme o pincel, com tinta a cair-lhe pelos olhos, tentando pintar os céus de Minas Gerais.


Costa Pinto


(imagem extraída da página internet: poesia-potiguar.blogspot.com)