quinta-feira, 12 de agosto de 2010

EXEGESE



“Cheguei, chegaste...”
Estava escrito em uma folha branca
sobre a minha mesa.
Tentei inutilmente decifrar
a mensagem contida naquele pedaço de papel:

“Cheguei, chegaste...”

A estranha sensação, porém,
de não me lembrar de tê-la escrito
furtou de minha memória coisas antigas,
já corroídas, fadadas há muito tempo ao olvido:
As noites em que meu lirismo, ingênuo
se manifestava diante de você.
E você, profundamente atenta,
sorria sobre o espírito do poeta.
As noites em que a lua crescente
Brilhava minguante sobre a noite cheia.
Em que nos abraçávamos tão forte
E ansiosamente,
Como se quiséssemos estrangular a vida
Pendente entre nós dois,
Formando um só corpo,
Compacto, andrógino, metade eu, metade você.

“Cheguei, chegaste...”
E jamais esquecerei
quando ao meu encontro você veio,
Derramando cores em cada passo,
como um frágil cromo errante
pela rua estreita.
O olhar inebriado de avidez e libido,
sob a lâmpada pálida
de uma luminária de rua.

“Cheguei, chegaste...”
E, hoje, ao chegar à casa
encontro você novamente...me olhando
(como um vulto enorme)
do fundo de uma frase quase ininteligível,
quase sem nexo,
numa folha branca
sobre a minha mesa.
Hoje, que tudo leva-me a pensar
em meio às vozes mágicas
que declamam poemas em minha mente.
Hoje, em que a identidade sonora das palavras
se confunde, num fatal descuido,
com as velhas coisas empoeiradas.
Um hoje que já é passado,
Como o vocábulo final de um verso:
Hoje – que não voltas mais.

(Costa Pinto)

(fragmento de verso incidental do poema “ Nel Mezzo Del Camim de Olavo Bilac: “Cheguei, chegaste. Vinhas fatigada...”)
(foto do Autor "Por-do-sol")

Um comentário:

  1. Belo poema! A inclusão do fragmento de Bilac foi muito pertinente.

    Versos inspirados, onde destaco:

    "As noites em que a lua crescente

    Brilhava minguante sobre a noite cheia."

    Parabéns, com louvor.

    Muito bom poder estar aqui nesta Nave!

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